A diferenciação clinica entre as formas progressivas e recidivantes da esclerose múltipla (EM) foi recentemente questionada (Kappos et al. 2020). Neste estudo, que
fez uma analise combinada de dois outros estudos clínicos de fase 3 do ocrelizumabe, a maior parte do acumulo de incapacidade nos pacientes com EM
recidivante não estava relacionada com os surtos clínicos da doença. Dessa maneira,a relevância quantitativa dos surtos clínicos e da progressão para o acumulo de
incapacidade nos diferentes estágios da EM requerem mais investigação.
Objetivos:
- Investigar os mecanismos de acúmulo de incapacidade (piora associada a surtos ? RAW: relapse-associated worsening; e progressão independente de
surtos
? PIRA: progression independent of relapse activity) em todos os fenótipos da EM
- Examinar o papel dos surtos clínicos para o piora clinica da doença
- Estimar a extensão que as drogas modificadoras de doença (DMDs) podem alterar o curso da EM e prolongar o tempo para alguns marcos de incapacidade clinica.
Métodos:
Todas as analises foram baseadas nos dados de 22 trials clínicos da Novartis (com suas extensões) que formam parte do conjunto de dados NO.MS.
Três conjuntos de dados foram analisados, representando um gradiente de tamanho e heterogeneidade dos dados:
a) conjunto total de dados (N = 27.328, coleta do EDSS mais heterogênea e dependente do protocolo de cada estudo);
b) estudos fase 3 (N = 8.364);
c) estudos fase 3 duplo-cegos, controlados por placebo (N = 4.970, altamente padronizados)
Definições:
Piora associada a surto ? RAW: evento de piora da incapacidade confirmada após 3 ou 6 meses que teve inicio dentro de 90 dias do inicio de um surto reportado pelo
investigador.
Progressão independente de surtos ? PIRA: evento de piora da incapacidade confirmada após 3 ou 6 meses sem surto prévio ou que teve inicio após 90 dias do
inicio de um surto reportado pelo investigador.
Progressão independente de surtos Sustentada? Sustained PIRA: evento de PIRA que foi sustentado em todas as avaliações subsequentes.
Resultados principais:
a) Mecanismos de piora da incapacidade (RAW e PIRA)
Os surtos e os eventos de RAW foram mais frequentes nos pacientes com fenótipo EM remitente-recorrente (EMRR), seguidos pelos pacientes com EM progressiva secundaria (EMPS) e depois por aqueles com EM progressiva primaria (EMPP).
A PIRA já estava presente nos pacientes adultos com EMRR e os eventos de PIRA sustentada ocorreram com uma frequência similar ou maior do que eventos RAW neste grupo de pacientes (por exemplo, no conjunto total de dados: 47.3% de PIRA vs. 26.9% de RAW). Por outro lado, RAW foi o principal mecanismo de piora da
incapacidade nos pacientes com EMRR de inicio pediátrico.
b) Efeito do tratamento nos mecanismos de piora da incapacidade
Nos pacientes tratados com DMDs comparados com placebo, uma maior proporção dos eventos de piora confirmada da incapacidade em 6 meses foram PIRA,
principalmente naqueles com EMRR (35.9% vs. 20.0%).
c) O papel dos surtos no desenvolvimento de piora e progressão da EM
Surtos do ano anterior, em qualquer tempo e em todos os fenótipos da EM, aumentaram o risco para uma piora geral da incapacidade em todos os conjuntos de dados.
Outros fatores de risco para a piora confirmada da incapacidade apos 6 meses foram: incapacidade prévia, sexo masculino e diagnostico de EM progressiva.
d) Surtos e recuperação
A incapacidade previa e a idade do paciente na ocasião do surto foram os fatores de risco mais importantes e consistentes para uma recuperação incompleta dos surtos em todos os conjuntos de dados. Por exemplo, para pacientes com bastante incapacidade e acima dos 40 anos a probabilidade de uma recuperação complete do surto foi em torno de 50% ou menos (similar entre pacientes com EMRR e EMPS).
e) Tempo entre marcos de incapacidade clinica e efeito do tratamento
A estimativa para atingir um EDSS de 4 nos pacientes tratados com placebo foi de 9 anos, comparado com 12,5 naqueles tratados com DMDs (prolongando este tempo em 3,5 anos).
De maneira similar, a estimativa para atingir um EDSS de 6.0 nos pacientes tratados com placebo foi de 18,5 anos, comparado com 21,6 naqueles tratados com DMDs (prolongando este tempo em 3,1 anos).
Conclusões:
- Os surtos são um mecanismo importante de acumulo de incapacidade principalmente no inicio da EM
- A PIRA tem um papel significativo na piora da doença em pacientes adultos com EMRR e se torna gradualmente o mecanismo principal pelo qual os pacientes adquirem incapacidade na EM progressiva.
- A PIRA acontece cedo e mesmo em pacientes tratados com DMDs de alta eficácia (e com supressão bem-sucedida da inflamação), apoiando a existência de uma patologia resistente as DMDs desde o inicio da doença
- O tempo para marcos importantes de incapacidade pode ser prolongado de maneira significativa com as DMDs, principalmente nos pacientes mais jovens
e com menor incapacidade.
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